ANTOLOGIA POÉTICA - Nelson Malzoni

 

Num mundo em que tudo tem um alto grau de relatividade, qual uma massa disforme e maleável, a depender de quem a confronte e das circunstâncias em que se dá o embate, um porto seguro, possivelmente, para além do proposto por Decartes, não é  que se pense, mas o que se pensa...

Lya Luft preconiza em um de seus livros que:

" As fomes que nos movem são a mola que leva nossas mãos à maçaneta da próxima porta ".

Mas, temos fome de quê?

Cada ser humano poderá identificar esta fome e ou necessidade consoante circunstâncias pelas quais estão submetidos... E por ingerência do significado que sua senciencia dá a elas, independentemente de quê tenham consciência plena a respeito do quê sentem, do porquê das sensações e de suas origens e consequências...
Assim, possivelmente correlacionam-se desejos e vontades!
Para além do pessimismo de Arthur Schopenhauer, como um traço de liberdade, ou como um avalista deste autor,  enquanto traço de servidão e submissão ao que tange ao sujeito em dada realidade; objetiva enquanto o envolve, e subjetiva enquanto é  sentimento, sensação, embutida em seu ser cognicente.
Assim, a história objetiva de um homem, é  aquela sentida, vivida, pelo seu corpo, que ocupa um espaço na geográfia do mundo, e um espaço dentro da tessitura social e cultural que rege este cenário em que se desenrola esta sua vivência... 
O direito de mobilidade dos corpos, pode trazer diferentes ingerências sobre eles, algumas de cunho particular, outras baseadas num consenso geral, e ou no senso comum...
Mas, seja como for, ainda serão circunstâncias sobrepondo-se a um corpo, que pensa, e que se pensa, e dá significação  própria, particular, a si mesmo e portanto às suas fomes, passíveis de serem transformadas em vontade ou não!
Estas considerações vieram à tona em minha mente a partir da leitura da obra "Antologia Poética" de Nelson Malzoni, editado pela Clube do Autor, 2° Edição, 2023.
Autor preto, de origem pobre, que a despeito de tudo soube encontrar um lugar no mundo...
Num mundo onde tudo é relativo, onde nossas fomes e ou vontades não  encontram facilmente maçanetas afáveis às urgências em nossas mãos...
Num mundo onde, possivelmente, a única certeza de um porto seguro é o que pensamos, e o como pensamos tudo aquilo que nos toca, o que tocamos, tendo em vista que este pensar nos individualiza...
Nesta Antologia Poética encontramos muito de um homem na flor da idade, com sede de vida, buscando suplantar suas deficiências...
Um homem que enxerga no outro pontos de luz, verdadeiros faróis a tornar mais seguros os caminhos a se trilhar...
Um homem que a despeito de suas conquistas, desconfia de si mesmo, e da luz que projeta.
Um homem que não se agiganta perante os outros, que os encara de olhos e peito abertos, irmanamente fraternos...
Nesta Antologia Poética temos sonhos, temos lutas, daquelas pedras de sisifo, rodadas ladeira abaixo, mas temos também amor, e esperança e festa!
Temos a festa sempre vivaz da vida, presente de Deus, que a fé do autor professa e manifesta...
E temos poesia!
Daquela que é o sumo bom de fruta fresca e madura...
Daquela que é voz de quem ocupa o seu lugar de fala...
Daquela que instiga tanto quanto assusta; afinal ao cabo da leitura desta Antologia Poética de Nelson Malzoni, quem não se indaga:
Qual é a fome deste homem, de seu coração e de sua alma, que parece que não come, que não dorme, vide o seu legado e a sua obra, e ainda assim declara:

" Eu vivi por todo esse tempo
  Por todos estes dias de alegria e aflição 
  Com contrição e um peso no coração 
  Por não ter dado o máximo de mim,
  Por não ter feito o melhor,
  E por chegar o fim...(...)"

Poeta, vate que toca tanto, muitos pontos de mim, quem teve por sorte ou por sina, encontrado a si mesmo neste mundo louco, e que pouco a pouco encontrou um mundo dentro de si?
Quantos conseguiram encontrar o dedo de Deus em si, ao invés de pensar-se apenas poeira de estrelas, quando muito?
Quantos ainda se questionam:
-Qual a parte que me cabe neste latifúndio?
A partir da leitura desta Antologia Poética de Nelson Malzoni, por inferência, lanço um questionamento: 
-Até quando o bem e o bom estará para além das mãos e do mundo dos homens?


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